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Sexta-Feira, 07 de Março de 2025 às 17:00:00
Mulheres se destacam como protagonistas na cultura sergipana
Isabele Ribeiro, Cecé e Lidhiane Lima contam sobre suas experiências na economia criativa, cultura popular e teatro 

Em todo o mundo, o dia 8 de março tem um significado importante. É nesta data que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975. Mais que uma data, o marco é uma tentativa de combater as desigualdades e discriminação de gênero que, ainda hoje, marcam inúmeras mulheres. Na cultura sergipana, várias mulheres usam suas experiências e suas potências para fazerem história e deixarem seus legados, apesar das adversidades. A Fundação de Cultura e Arte Aperipê (Funcap) ouviu relatos de algumas delas, sobre o dia a dia de ser uma mulher que faz cultura em Sergipe.

Mais samba, mais vontade

“Quanto mais samba, mais a gente tem vontade”. É o que diz Maria José dos Santos, mais conhecida como Cecé, coordenadora do Samba de Pareia do povoado Mussuca, da cidade de Laranjeiras. Há 11 anos, a assistente social está à frente do grupo folclórico que faz parte da história e da cultura do estado de Sergipe. 

O Samba de Pareia é uma dança envolvente, muito antiga do povoado da Mussuca, que consiste em um sapateado com muito eco, em que as mulheres dançam marcando o ritmo sapateando com seus tamancos, além de usarem chocalhos, cuíca e tambores.

Cecé, que já é uma figura da cultura popular sergipana, afirma que já fez de tudo um pouco dentro do grupo. “Eu faço de tudo, para as pessoas verem, os mais novos verem o que é o samba de pareia, uma cultura viva, que a gente não pode deixar morrer. E eu faço de tudo, justamente para eles sentir o gosto da cultura e levar em frente”, destacou. 

 A coordenadora está à frente do grupo há muito mais anos do que se lembra. Durante todo esse caminho, ela afirma que o preconceito por ser mulher nunca teve vez. “Só tem um homem. Já encontrei obstáculos, como quando tive de ficar no lugar de um integrante para tocar a porca, durante uma viagem que fizemos. Mas, fora isso, não existe preconceito. O grupo é feito quase todo de mulheres e a maior dificuldade que eu enfrentei foi viajar com tantas mulheres, sendo responsável por todas. No início é difícil, mas depois a gente relaxa e dá certo”, contou com alívio.

 A inspiração para trazer novas pessoas para o grupo se dá pelo exemplo. “Eu tenho o título de Mestre de Saberes, grau de mérito da Universidade Federal de Sergipe e eu mostro isso para inspirar as outras pessoas, as meninas mais novas, que venham conosco e se somem, para que não deixem essa cultura acabar”, reforçou Cecé.

 E para este Dia Internacional da Mulher, o desejo é simples. “Meu desejo é que as mulheres se sintam independentes e se amem cada vez mais. Hoje é o dia internacional da mulher, eu espero que cada um se ame muito mais, cada dia mais”, disse.

Arte salva

A arte foi um caminho para driblar a timidez, porém ela nunca mais a largou. Há 20 anos, Lidhiane Lima se inscreveu em um projeto do grupo Imbuaça. Ela nunca imaginou que seria atriz, que a arte se tornaria tão importante em sua vida, mas se tornou. “Foi uma grande transformação na minha vida, eu nunca imaginei seguir essa linha. Eu acho que o teatro transformou não só a minha vida, mas a vida de todas as outras pessoas que fizeram parte desse curso. E isso foi o que mais me encantou, que me fez permanecer nesse caminho até hoje.  A arte realmente salva. O teatro é de suma importância na nossa sociedade. Pra mim, o teatro salva a vida da vida” contou. 

 A atriz explica que em cima do palco, tudo muda. “Quando a gente entra no teatro, a gente descobre um novo mundo. Realmente é uma descoberta. A gente se sente mais livre. O teatro acolhe as pessoas que não são acolhidas, tem esse espaço de acolhimento. Eu acho que ele tem essa função, de acolher, de mostrar para o mundo o valor das pessoas, independente de qualquer outra coisa. E quando você sobe no palco, você deixa o seu ‘eu’ atrás. Quando eu subo no palco, sou uma outra pessoa, é uma outra personagem. Então, eu visto aquela personagem e não existe mais a Lidhiane. Então, a gente tem toda a liberdade para fazer, de acordo com o texto, o que a gente quer. É muito bonito poder se despir da timidez e de todas as outras questões quando estamos no palco”, ressaltou.

Em Sergipe, Lidhiane acredita que as mulheres estão tendo mais espaço no teatro. “O cenário feminino, pelo menos na parte teatral, vem crescendo, e eu acho importante isso, porque querendo ou não, nós ainda somos muito desvalorizadas em todos os meios, não só no teatro. Ainda existe muito assédio e quando uma mulher fala ‘sou do meio artístico, faço teatro’, parece que dá uma liberdade maior aos homens para cometer esse tipo de assédio. Eu acredito que a gente vem aprendendo muito a lidar com isso, então é ainda mais importante que cresça o poder feminino nesse meio, a mulher tem que estar em qualquer lugar, principalmente na arte, em que a sensibilidade da mulher é tão importante e  bonita” reforçou a atriz.

 Como em toda profissão, a atriz enxerga o teatro uma carreira difícil, apesar de muito prazerosa. Mas não desestimula outras mulheres. “Nós mulheres precisamos estar à frente sempre, é uma questão mesmo de sobrevivência. A gente precisa estar lutando. Eu acho que a arte é um caminho muito bom pra gente começar, pra gente seguir lutando. Então, apenas comecem”, enfatizou.

Rede empreendedora

Empresária, arquiteta e coordenadora de projeto para mulheres. Isabele é essa e muitas outras, dentro de uma só. Hoje, seu mundo gira em torno de algo que ela conheceu há mais de 14 anos: a economia criativa. O universo já fazia parte de sua realidade antes mesmo de levar tal nome. “A economia criativa faz parte da minha vida desde que eu tenho 8 anos de idade, quando eu comecei a dançar balé. Eu cresci na arte, o balé foi minha profissão por muitos anos. Fui crescendo dentro da arte, a moda apareceu na minha vida de alguma maneira também, trabalhei com isso, depois a arquitetura. Então eu entendi logo cedo o que era economia criativa sem saber o que era de fato”, contou. 

Tudo começou com a Feirinha da Gambiarra. O evento fundado por Isabele é uma oportunidade para pequenos empreendedores, artistas e produtores locais promoverem seus trabalhos. Esse movimento mudou o entendimento da arquiteta sobre a economia criativa enquanto um mercado a ser explorado. “Esse olhar enquanto empresa mesmo, enquanto empreendedorismo na economia criativa, surgiu junto com a Feirinha da Gambiarra, em 2012, e de forma muito natural aconteceu, a cidade precisava de um formato de evento como aquele, que desse suporte a pequenos empreendedores criativos de diversas áreas da economia criativa, moda, design, novas mídias, teatro dança, então foi ali que tudo começou”, relembrou.

Entretanto, a caminhada para empreender ainda conta com vários altos e baixos, principalmente sendo mulher. “Eu acho que as barreiras maiores são porque a gente tem que gastar mais energia para chegar mais longe, sempre. É sempre uma luta um pouquinho maior. Acredito que esse tempo que a gente perde em ter que pensar a roupa que vai usar para um reunião, a forma como a gente vai se portar, falar, isso é um ponto sensível para mim, porque eu sou muito do fazer, eu tenho uma energia do fazer muito grande e eu tenho muita vontade de construir. Então, eu acabo jogando toda essa energia e além de tudo, sendo mulher, tendo que pensar em todas essas nuances que o universo do ser feminino, do ser mulher nos traz”, desabafou. 

Mas também há suas vantagens. “Nos traz o olhar sensível, o olhar do feminino me traz essa sensibilidade, uma força descomunal para a gente conseguir, com um olhar sensível, construir de forma empática, com amor e com propósito”, concluiu.

Hoje, a empresária também é coordenadora do projeto “Rede Sergipana de Mulheres Empreendedoras", um programa de formação para líderes empreendedoras que busca o fortalecimento de mulheres sergipanas enquanto donas de seus pequenos negócios. Para essas e tantas mulheres, Isabele diz que o importante é estarem juntas. “Eu acredito que é estar em rede, eu tenho visto através da nossa rede de mulheres a potência de uma rede. Digo isso por estar à frente de uma empresa, vendo outras mulheres empreendedoras começando ali do zero e passando por uma transformação gigante, em estar trocando, conversando, colocando as dores na mesa. Isso nos ajuda a potencializar, ter coragem de fazer mais, construir mais. Então, falem, troquem para que a gente consiga potencializar ainda mais esses negócios femininos criativos”, incentivou. 

Mesmo com tantos avanços, ainda há muito a melhorar neste e nos próximos dias 8 de março. “Eu gostaria que a gente gastasse menos energia pensando e mais fazendo. Sem julgamentos, sem precisar estar ali se adequando o tempo todo, pensando no que vai falar, fazer, vestir e tivesse espaço e tranquilidade para construir mais. Esse é o meu grande sonho e eu acredito em um mundo mais feminino, mais respeitoso, em que a gente consiga estar mais confortável para construir o que de fato a gente tem potência para construir”, finalizou a empresária.